quinta-feira, 9 de junho de 2016

Otávio Campos

Otávio Campos é um poeta e editor nascido em 1991. É formado em Letras pela Universidade Federal de Juiz de Fora e atualmente conclui o mestrado em Estudos Literários pela mesma instituição.
Edita a Um Conto – Revista de Literatura, é coordenador editorial das Edições Macondo e participa da organização do sarau Eco Performances Poéticas
Publicou os livros Distância (Juiz de Fora: Aquela Editora, 2013) e Amanhã tomo um voo a Budapeste (Juiz de Fora: Edições Macondo, 2014). 
No cinema, colaborou no roteiro e na direção dos filmes Marx Pode Sair e O bicho que come dentro da gente. Esse diálogo entre imagem e palavra, e a descrença em ambas, é um ponto de interesse em seus trabalhos. 
Sobre seus poemas, disse a poeta Júlia de Carvalho Hansen: “Será que estamos num filme? Os versos aparecem como frames, os versos são um pedaço de canção que se encravou na gente”. 
Os poemas a seguir foram anteriormente publicados no Caderno 3, livro do blog português Enfermaria 6, no jornal Tribuna de Minas e no site LiteraturaBr, e fazem parte do livro Os peixes são tristes nas fotografias, a ser lançando no Brasil no segundo semestre de 2016, pela Editora Bartlebee, e em Portugal em 2017, pela Douda Correria.






East Hampton

Por isso o velho deixou a cortina um antebraço
aberta na esquerda – na direita do lado de lá
nem um pedaço a rua entra; provavelmente você
vai estar remoendo as provas inventando culpas
atirando       dardos

você deveria amarrar mais forte; provavelmente
eu penso: você deveria segurar com força você
se lembra da primeira vez que brincamos
com os corpos que ocupavam a calçada você
se lembra da primeira vez que medimos a temperatura
de uma superfície pouco antes de explodir

inventamos idades, contamos os dedos, teme de
repente fechar os olhos e não serem mais cinco
nós que crescemos sem olhar o fora
nós que sabemos da queda  
                        do salto    
                                    do susto
                                   você
se lembra quando era 1992 e os ruídos desconhecidos
e as descobertas dos astrólogos e os carros então
quando inventamos os nomes das coisas
quando esquecemos os nomes das coisas

e se você deixasse       de respirar
e se você gritasse        você
se lembra quando prendíamos a respiração até tudo
de repente ficar azul e roxo e bege e depois
se lembra das cores dos carros e das luzes você
se lembra do gosto que ficava quando elas apagavam

mas isto não é um postal se lembra
quando recebemos a notícia do primeiro incêndio
quando nos mudamos cada um para a cidade da mesma
letra com latitudes invertidas e o acidente: você
conhece todo mundo que mora na frente da sua casa
você frequenta os vizinhos que ficam voltando você
se lembra da primeira vez que voltou
                                                           oespanto
                                                           SHE
sat at the window watching the evening
            invadindo a avenida: e se você gritasse
sisibilos, malabares, upa-gluba, costeleta
se você fosse  duro
se você fosse  outro
se você fosse  um carro
você escolhe               uma cor
você me chama pelo nome
você inventa meu nome, parecido com o som de uma andorinha,
um marujo, as bandeiras no mastro o tamanho do mar

você acredita em incêndios
você ainda escuta acidente
você deve estar morto numa banheira em East Hampton  às
quatro da tarde de uma quarta-feira quando seu número por-
pura coincidência me discar    
vamos viver uma coisa mais tranquila
então as cartas,
o salto,
o susto,
você



#


Fenda

visitamos cidades destruídas
asilos abandonados nos quintais
teu rosto uma fenda – por enquanto
desistimos de ser tristes

você acredita não existe outra palavra
mais bonita que triste
enquanto isto é uma fotografia,
um postal de Budapeste e suas
cinco mil luzes azuis   – será
que ele te encontra hoje em casa:

uma cidade que te povoa na infância
algures teu nome nalguma porta
quem te disse um dia para sair com as chaves
e as coisas que despencam – por enquanto

isto é uma queda
isto é uma seta

quando eu falo em seta você pensa
em seta ou em flecha
você pensa em uma seta como uma
flecha

você pensa em uma flecha como um
desastre

estar de pé tem sido uma aventura,
uma escavação ou uma tragédia
arrancar aos peixes nem tanto,

na data o postal um ano escondido
teu nome alhures: você ouve barulhos
das pedras que descem murmúrios
mas isto é um acidente

uma flecha que atravessa o poema
escuta como ele pulsa devagar

discutimos sobre precipícios
os fados que me ensinaram
de não tornar ao chão – por enquanto
isto é um aviso,

a porta que ainda não caiu
a última casa que resiste irônica
os azulejos que invertem
a ordem do mito.





 #



O nome do pai
                                               ao Capilé

Estamos construindo um romance
familiar
por isso entenda nunca
visite São Paulo
ou São Pedro da Aldeia
As cidades são feitas por homens
para que homens como você
& eu não
tenhamos tempo para as descobertas
pequenas
Meu filho nunca
atravessea cerca da divisa
da fazenda
onde nos últimos meses
Joaquim trabalhou à máquina o chão
& o desejo
Porque existe um ponto
no centro do despenhadeiro
para onde todas as preces convergem
E os que andam à procura de Deus
e os que andam pelos caminhos de Deus
sabem que a luz ainda é a única
medida da alegria
Pela abertura das estradas
passamos afastados
como o galope do cavalo
que leva em flecha
o nome do último santo
escrito no peito




#


How soon is now?
                                               do Arthur

(de verdade)
imagina

um recorte de revista
de mim deitado numa cama uma foto do mundo
no fundo bem grande um pôster e uma sessão
de fotografias

existe um nome técnico para vídeos
feitos de fotografias mas agora
não me lembro

eu no Brasil:
Rio de Janeiro
eu recorte
e aí uns recortes de sons
The Smiths

e eu vou subindo

primeiro a parte direita sobe
na primeira foto meus pés
porque eu estou deitado aí
minha cabeça isso em fotos

sucessivas
muito rápidas

não tão rápidas
que não dê para perceber que são fotos
individuais

aí vou subindo assim e em menos
de três segundos eu estou fora
do mundo o vídeo dura uns cinco
segundos é o suficiente


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