sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Enzensberger & Ingeborg por Adelaide Ivánova

Hans Magnus Enzensberger é um poeta, ensaísta, tradutor escritor e alemão nascido em Kaufbeuren em 1929. É também escritor sob os pseudônimos de Andreas Thalmayr, Linda Quilt, Elisabeth Ambras e Serenus M. Brezengang.
Enzensberger estudou literatura e filosofia nas universidades de Erlanger, Freiburg, Hamburgo e também em Sorbonne, Paris, onde recebeu seu doutorado em 1955.
Trabalhou como redator na rádio de Stuttgart e exerceu a docência até 1957, com o volume de poesias Verteidigung der Wölfe (Defesa dos Lobos).
Entre 1965 e 1975 foi membro do Grupo 47.

Em 1965 criou a revista “Kursbuch”, e desde 1985 edita a série literária Die andere Bibliothek.



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Ingeborg Bachmann foi uma escritora, dramaturga e poeta austríaca nascida em 1926 e falecida em 1973.
Conheceu em Viena, no ano de 1948, o poeta judeu Paul Celan, por quem se apaixonou. Com ele conviveu por dois meses, e continuaram, à distância, a manter um relacionamento amoroso que influenciou profundamente a produção artística de ambos e a troca de várias cartas.
Como muitos dos escritores de língua germânica do pós-guerra, ela começou sua carreira de poeta no Grupo 47, movimento poético de vanguarda na República Federal Alemã que revelaria nomes como o de Günter Grass e Hans Magnus Enzensberger, e que dominaria as letras germânicas desde sua fundação em 1947 até sua dissolução em 1966. Como os integrantes do grupo, Ingeborg buscava uma renovação na linguagem.
Sua poesia, considerada elegante mas com tons sombrios, mostra influência da antiguidade clássica, do surrealismo e escritores como Rilke.
A partir do ano de 1960, a escritora deixa de produzir poesia e se fixa na prosa, tomando mais como objeto os temas sociais.
Em 1964 recebeu o Prêmio Georg Büchner, o mais importante das letras alemã, como reconhecimento pelo conjunto de sua obra.
Ingeborg Bachmann morreu em um hospital em Roma, com queimaduras pelo corpo, três semanas depois de um incêndio em seu quarto de hotel, em 17 de outubro de 1973. A real causa de tal incêndio, em que chegou a ser apontada como sendo um cigarro ainda aceso, permanece desconhecida.
Desde o ano de 1977, existe na sua cidade natal um concurso literário que leva seu nome.





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Abaixo, trazemos dois poemas de Hans Magnus Enzensberger, tirados do livro Die Furie des Verschwindens (Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1980) & duas cartas de Ingeborg Bachmann para Paul Celan, tiradas do livro Briefwechsel (Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2008).

As traduções são de Adelaide Ivánova, escritora, poeta, jornalista, tradutora e fotógrafa brasileira, nascida no Recife, Pernambuco, em 1982.
Adelaide lançou os livros de fotografia Autotomia (Pingado-Prés, 2014) e Polaróides (Cesárea, 2014), e o livro de poemas O Martelo (Douda Correria, 2015).
Teve trabalhos fotográficos expostos no Brasil, Argentina, EUA, Alemanha, França e Espanha, e publicou textos, traduções e fotografias em diversas revistas internacionais, como i-D (UK), Colors (Itália), The Huffington Post (EUA), Der Greif (Alemanha), Modo de Usar & Co. (Brasil), Vogue (Brasil), Ojo de Pez (Espanha), eject_magazin der waimerer universität (Alemanha) e Vision (China), entre outras.
Atualmente, vive e trabalha entre Colônia e Berlim, na Alemanha.

(Foto: Ewout de Cat)



DOIS POEMAS DE HANS MAGNUS ENZENSBERGER


O divórcio

Primeiro era apenas um tremor na pele -
"Como tu preferir" -, ali onde a carne é mais escura.
"O que é que tu tem?" - Nada. Sonhos leitosos
de abraços, mas na manhã seguinte
o outro parece outro, estranhamente ossudo.
Mal-entedidos afiados. "Naquele dia em Roma -"
Eu nunca disse isso. - Pausa. O coração bate acelerado,
um tipo de ódio estranho. - "Não é disso que eu tô falando."
Repetições. Uma certeza brilhantemente clara:
de agora em diante tá tudo errado. Inodora e nítida,
como uma foto de RG, essa pessoa que desconheço
com uma xícara de chá na mesa, olha fixamente.
Isso é inútil é inútil é inútil:
ladainhas na cabeça, náuseas se aproximando.
Fim das acusações. Devagar o quarto inteiro
vai se enchendo de culpa.
A voz que soa é estranha, só os sapatos,
que fazem barulho no piso, os sapatos não são.
Da próxima vez, num restaurante vazio,
em câmera lenta, migalhas de pão, se falará de dinheiro,
rindo. A sobremesa tem gosto de metal.
Duas pessoas que não se tocam. Sensatez aguda.
"As coisas não são tão ruins assim". Mas à noite
o desejo de vingança, a briga burra, anônima,
como dois advogados esqueléticos, dois caranguejos grandes
na água. Depois a exaustão. Devagar
a ferida se abre. Encontrar uma tabacaria nova,
um endereço novo. Párias assustadoramente aliviados.
Sombras que vão ficando menos escuras. Eis aqui o papel assinado.
Eis aqui as chaves. Eis aqui a cicatriz.



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As roupas

Lá estão elas, quietas e felinas
no sol, meio-dia,
tuas roupas, folgadas,
reais como um acidente.
Elas cheiram a você, de leve,
se parecem com você.
Elas entregam tua sujeira,
teus maus costumes,
teu cotovelo na mesa.
Elas têm tempo, não respiram,
são sobras, moles, cheias de botões,
funções e manchas.
Nas mãos de um policial,
uma costureira ou um arqueólogo,
elas lhes dariam seu preço de custo
e teus segredos mais fúteis.
Mas onde tu tás, se tás triste,
as coisas que tu queria ter me dito
e nunca dissesse
se as coisas que aconteceram, se foram por amor
ou por necessidade ou por esquecimento
e os motivos das coisas
terem sido assim
como foram
como fatalmente morreram
se tu tás morta, ou se
tu tás deixando o cabelo crescer,
isso tuas roupas não dizem.


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DUAS CARTAS DE INGEBORG BACHMANN PARA PAUL CELAN


de ingeborg bachmann para paul celan, viena, natal de 1948, carta não enviada

Natal, 1948

Querido, querido Paul!

Ontem e hoje eu pensei muito em tu, pensei muito na gente. Não te escrevo pra que tu me escreva de volta, te escrevo porque me faz bem e porque eu quero. Eu tinha pensado em ir te encontrar em Paris esses dias, mas aí um sentimento vaidoso e idiota de conscienciosidade me prendeu aqui e eu não fui. Como fazemos então:  n'algum lugar em Paris? Eu não sei, mas de qualquer forma seria lindo!

Três meses atrás do nada alguém me deu teu livro de presente. Eu não sabia que tinha sido publicado. Foi... foi como se o chão tivesse se aberto sob meus pés, e minhas mãos tremeram bem de levinho. Então passei muito tempo sem sentir nada. Aí algumas semanas atrás em Viena comentaram que os Jenés tinha ido para Paris. Eu também fui na viagem.

Eu ainda não sei o que a última primavera significou.  - Tu sabe que eu sempre quero saber direitinho o nome das coisas. - Que foi lindo eu sei, - e os poemas,  e O Poema, que nós fizemos um do outro. 

Hoje eu te amo. Eu queria muito te dizer isso, - porque naquela época eu não disse o suficiente.

Assim que eu tiver tempo, posso ir passar uns dias aí. Tu ia querer me ver também? Por uma hora, ou duas.

Com muito, muito amor!
Sua Ingeborg



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de ingeborg bachmann para paul celan, munique, 18.01.1958

sábado
18-1-58

O Proust chegou. Que bonito!! (Tu me mima muito!)

Na noite em que [tu] me ligou, eu tive que pensar várias vezes no que tu me perguntasse: "Devo ir [praí]?" Tu não faz ideia o que significa pra mim que tu pergunte isso. Eu tive que cair no choro, porque sim, porque isso existe para mim e porque eu nunca tive isso antes.

Boa viagem, ânimo e não deixe nenhuma bobagem estragar tua felicidade. Eu vou pensar num lugar e te escrevo em Dresden. Por ora, se cuide!
 
Ingeborg


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