terça-feira, 25 de abril de 2017

Thiago Camelo

Thiago Camelo é um poeta, letrista e cineasta nascido em 1983 no Rio de Janeiro. Formado pela PUC-Rio, publicou dois livros de poesia: Verão em Botafogo (2010, 7Letras) e A ilha é ela mesma (2015, Moça Editora).
Publicou também o conto A carne, as coisas pelo selo Megamíni (2015, 7Letras) e o livro-poema Silêncio pela coleção Puxadinho (2016, Pipoca Press).
A ilha é ela mesma teve apoio da Bolsa Criar Lusofonia, concedida pelo Centro Nacional de Cultura (Lisboa, Portugal). 
Além de poeta, Thiago Camelo é letrista; em 2015, a canção “Espelho d’água”, parceria com seu irmão Marcelo Camelo, foi gravada por Gal Costa no disco “Estratosférica”. 

Thiago também mantém o projeto de vídeo "Estuários", no qual edita filmes-diário que podem ser assistidos clicando aqui, além de seu blog-tumblr, Rua das Gáveasonde pode ser encontrado mais sobre ele.
Abaixo, quatro poemas de seu último livro, A ilha é ela mesma.
(Foto por Saulo Frauches)


Lugar

pequenos espaços
coisas como são
sem o caos e toda estranheza
o caminho imprevisível das espumas
da fumaça
de suas possibilidades

sem repensar o que está por trás
pelos lados ou por toda parte
um convite pra ficar
não há mais o que pedir sem ironia
mas eu queria pedir essas coisas
sem espumas ou fumaça
sem nenhuma dimensão

não sei imaginar dimensões
tantas palavras
e eu procurei
eu jurei palavras
todos os tipos de palavras gravadas
nestes espaços tão pequenos
viver nestes pequenos instantes
das palavras como dizem
no pequeno espaço das coisas como são




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Rastros

maré explode e expõe o tempo
de modo tão evidente
que aponta ao olhar

em meio a tudo
a vida dos bichos que vivem menos
a primeira pessoa a abrir a casa
a primeira vez distraído na cidade nova

a vida na obstinação quase imprópria do artesão
que talha como um náufrago
até avistar
intuir nas mãos
os rastros

procura-se fagulha igual todos os dias

num dia de sorte
finalmente
as coisas ficam vivas; um prédio fala com a gente




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Luz

olha-se sempre
toda vista é espera

até o espelho anseia
mira por cima dos ombros

o míope tenta se abrigar
experimenta
na ausência de contornos
não querer

de olhos fechados
a vida circula no avesso
o corpo é negro, não reflete
o sangue caminha no escuro
ainda não é vermelho




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Rocha

a ilha é no mar
no vento
no barco
no pássaro
no arquipélago
na terra
mas também, nela

a ilha é ela mesma

terça-feira, 18 de abril de 2017

Yassu Noguchi

Yassu Noguchi é uma poeta, contista, produtora cultural e palindromista natural do Rio de Janeiro, mezzo italiana, ha-fu japonesa, nascida em 1973.
Tem textos publicados no Desnamorados, um livro colaborativo sobre o amor lançado pela Editora Empíreo em 2014, e nas coletâneas Clube da Leitura – Volume III, lançada pela Oito e Meio em 2015, Rio 2065, lançada pela Casa da Palavra em 2016 com organização da FLUPP, e em ESCRIPTONITA: mitologia-remix & super-heróis de gibi, que será lançada em breve pela Patuá. Também esteve no jornal Plástico Bolha, na revista Mallarmargens e no blog Poema Diário.
Lançou em 2016 Meu olho não puxado puxou o lado errado, seu primeiro livro de poemas curtos, pela editora enCaderno.
Sua paixão pelos haicais japoneses a tornou produtora do Haicai Combat, um slam de poesia no qual poetas falam poemas curtos, recebem notas dos jurados e concorrem a livros e a outros prêmios relacionados à literatura e à cultura. Colabora também na produção do Pizzarau, sarau de artes, realizado numa pizzaria na Lapa, RJ.
A convite do jornal Plástico Bolha, fez a coordenação artística da exposição “Poesia Agora”, no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo (mostra que ficou em cartaz de junho a setembro de 2015), e trabalhou como assistente de produção no 1º Circuito Carioca de Saraus (um projeto da Poesia Viral) realizado em lonas culturais do RJ, nos meses de maio e junho de 2016.




Três poemas de amor



se nos encontrarmos - cheios de cicatrizes - nus de tudo nossos corpos travarão uma luta eu sei

se nos perdermos – nessa que dura intermináveis rounds - em fendas de pele, músculos retráteis e luvas de látex, de onde avançamos e quedamos

lona espuma mola céu cimento

os cortes – uma vez superficiais uma vez nada superficiais uma vez uma vez que não se sabe - serão inevitáveis




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eu fui, onde há mar,
encontrar esse ouriço que sangra nossa curiosidade
essa apneia irresoluta
sal residente
pés de percorrer desorientados mapas
naufrágios constantes, pequenas mortes
polvos que nos puxam pro fundo
quando seriam braços movendo correntes
influências de outros ventos
peixes de escamas rígidas
e guelras sem fundamento




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ela se muda
às pressas
ele havia deixado
um campo minado
mulheres explosivas por toda parte
ela já carregava a experiência de Nagasaki e Hiroshima mon amour
por isso era silenciosa como a impossibilidade
por dentro, em seu coldre vermelho-sangue, uma reação exotérmica capaz de atacar toda uma cidade ao contrário: refazer.
quebra de um instável
já eram, dois menores
então, pra longe do U-236, antes Tsar, cogumelos
ela foge,
ogiva entre as pernas,
em busca de outro elemento, que não
massa de 3 pra 2
lixo atômico, o amor

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Alice Sant'Anna

Alice Sant'Anna é uma poeta nascida em 1988 no Rio de Janeiro.
Publicou Dobradura, seu primeiro livro, em 2008 pela editora 7Letras, e obteve boas críticas e comentários.
Em seguida, lançou duas obras independentes: Bichinhos de luz (2009) e Pingue-Pongue (2012), em coautoria com Armando Freitas Filho.
Em 2013 consagrou-se como uma das principais vozes de nossa geração ao lançar, pela já (infelizmente) extinta Cosac Naify, o livro Rabo de Baleia.
Sua publicação mais recente é o longo Pé do ouvido (Companhia das Letras, 2016).
A voz poética de Alice é delicada, frágil, mas em nada fraca ou menor. Não deixa a desejar.
Ela apresenta intimidades que nos aproximam de seu mundo, seus pensamentos, e ao mesmo tempo nos deslocam para questionamentos e observações acerca de nossa própria realidade.
Como afirma Heloísa Buarque de Hollanda, Alice escreve de maneira subliminar uma poesia que pontua e modula o seu cotidiano.
Embora jovem, ela apresenta uma escrita madura e enriquecedora.
Abaixo, um poema recente de sua autoria.

(Foto: Alexandre Sant'Anna)




você ficou de escrever
assim que chegasse
alguma notícia desse país
que você deixou faz tantos anos
já não sabe se sente saudade
mas pensando bem
o que você deixou
nem existe mais
a graça de nascer
em uma cidade
é saber que essa cidade
te espera
pra sempre
mesmo que as pessoas morram
as plantas e os gatos dos vizinhos
e mesmo que os vizinhos
também morram
a graça de nascer em uma cidade
é decidir
ficar ou abandonar
a cidade pra sempre
se bem que isso
de pra sempre
vá lá
não tem muita importância
é verdade que alguma coisa
continua à sua espera
uma caixa de leite
vencida na despensa da casa dos pais
um envelope com códigos de barra
de uma promoção
que você acabou por esquecer
de postar no correio
talvez um papel de carta
precioso demais
pra ficar guardado
precioso demais
pra ser jogado no lixo
as luzes de natal nos postes
o horário de verão
alguma coisa
na cidade talvez te espere
embora outra coisa
uma sombrinha que serve
nos dias de chuva
e nos dias de sol
sempre se perca