sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Casé Lontra Marques

Casé Lontra Marques é um poeta nascido em Volta Redonda, Rio de Janeiro, em 1985. Publicou os livros Mares inacabados (2008), Campo de ampliação (2009), A densidade do céu sobre a demolição (2009), Quando apenas se aproximam os rumores de chuva (2009), Saber o sol do esquecimento (2010), Movo as mãos queimadas sob a água (2011) e Indícios do dia (2011).
Atualmente mora em Vitória, no Espírito Santo.
Reúne o que escreve em sua página, onde seus livros podem ser lidos integralmente.



Quem não pode tocar procurará destruir?

Quem não pode tocar procurará destruir? Aquele que não canta diz: morro quando sou indiferença, quando estou imune ao mundo (a incerteza instala no dia o vestígio de uma vida acidamente incisiva). Ao estender sobre o tronco outra fome, penetro, como posso, o que me reparte, o que nos desvia em direção ao movimento

extremo. Este, sem gesto, insiste, apesar de não saber sustentar o que irá relatar: a figura aqui manifesta não se faz nomear. Sua voz — um feixe de falas aniquiladas quando calcificadas — não se deixa depositar sob um dispositivo

preciso, sob uma engrenagem exata.Como descrever a saliva que desliza pela ferida? Está desperta: saio cega do hospital, ainda consegue dizer, depois de alcançar a calçada, ainda consegue andar, decido não mais confiar sequer na luz a devastar minha vista (sigo apenas uma perturbação assídua): exposta

ao sol do desabrigo, talho no tempo — com mãos trabalhadas pelo estímulo ao ritmo — o rosto que restaurará

meu filho, preenchendo o espaço com alguma possibilidade de presença; embora não pronuncie um indício de palavra, estremeço com a concentração de tantas vozes desencontradas (seu silêncio

condensa a cegueira de experiências amputadas tanto de tato

quanto de fala). Sempre

ameaçada por uma pressa, custo a acreditar que persisto

parada: hesito, apesar de excitada, o próximo passo, continua a dizer, que me depreda, continua a andar, que me despedaça. Descontaminada do tremor de agora, repousaria a testa no vidro da janela — num instante

livre do vício de fácil alívio — para aprender

uma manhã desordenadamente

atravessada pela possibilidade de voragem, enquanto configuro a voz com que meu filho construía suas inquietações, envolvendo

minha atenção num idioma a princípio pausado, logo após efusivo, cujo sentido incitava as águas do paladar: encontro

a cor dos timbres, o compasso

da respiração, perdendo,

no entanto, a trama de intensidades

que desestabiliza a articulação das expressões mais provisórias: pressinto — mesmo empedrada — a necessidade de inventar outro modo de tatear: tocada pela velocidade, abro todas as pálpebras para a violência que invade minhas vozes, que revolve minhas veias, temendo as marcas

impossíveis de me identificar, a inexistência não dos cortes, mas da pele continuamente a se lanhar: intrometida na claridade do dia, esqueço

de fazer meus dedos buscarem alguém debaixo da camisa vazia: suspeito sobretudo das presenças que — insustentavelmente palpáveis — povoam

as brechas dos meus breves corpos (a persistência

dos ecos de novo refeitos

tritura o junco dos seus joelhos): cubro a garganta com as primeiras mãos da manhã, como se quisesse deter o percurso

de algo prestes a desaparecer: por mais

que insista

em permanecer inofensiva — embrulhando a garganta

nas mãos — enquanto preparo

as poucas palavras

com que iniciaremos um grito sucinto.

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