Casé Lontra Marques é um poeta nascido em Volta Redonda, Rio de
Janeiro, em 1985. Publicou os livros Mares inacabados (2008), Campo
de ampliação (2009), A densidade do céu sobre a demolição (2009), Quando
apenas se aproximam os rumores de chuva (2009), Saber o sol do
esquecimento (2010), Movo as mãos queimadas sob a água (2011) e Indícios
do dia (2011).
Atualmente mora
em Vitória, no Espírito Santo.
Reúne o que
escreve em sua página, onde seus livros podem ser lidos
integralmente.
Quem não pode tocar procurará destruir?
Quem não pode tocar procurará
destruir? Aquele que não canta diz: morro quando sou indiferença, quando estou
imune ao mundo (a incerteza instala no dia o vestígio de uma vida acidamente
incisiva). Ao estender sobre o tronco outra fome, penetro, como posso, o que me
reparte, o que nos desvia em direção ao movimento
extremo. Este, sem gesto, insiste,
apesar de não saber sustentar o que irá relatar: a figura aqui manifesta não se
faz nomear. Sua voz — um feixe de falas aniquiladas quando calcificadas — não
se deixa depositar sob um dispositivo
preciso, sob uma engrenagem
exata.Como descrever a saliva que desliza pela ferida? Está desperta: saio cega
do hospital, ainda consegue dizer, depois de alcançar a calçada, ainda consegue
andar, decido não mais confiar sequer na luz a devastar minha vista (sigo
apenas uma perturbação assídua): exposta
ao sol do desabrigo, talho no tempo
— com mãos trabalhadas pelo estímulo ao ritmo — o rosto que restaurará
meu filho, preenchendo o espaço com
alguma possibilidade de presença; embora não pronuncie um indício de palavra,
estremeço com a concentração de tantas vozes desencontradas (seu silêncio
condensa a cegueira de experiências
amputadas tanto de tato
quanto de fala). Sempre
ameaçada por uma pressa, custo a
acreditar que persisto
parada: hesito, apesar de excitada,
o próximo passo, continua a dizer, que me depreda, continua a andar, que me
despedaça. Descontaminada do tremor de agora, repousaria a testa no vidro da janela
— num instante
livre do vício de fácil alívio —
para aprender
uma manhã desordenadamente
atravessada pela possibilidade de
voragem, enquanto configuro a voz com que meu filho construía suas
inquietações, envolvendo
minha atenção num idioma a princípio
pausado, logo após efusivo, cujo sentido incitava as águas do paladar: encontro
a cor dos timbres, o compasso
da respiração, perdendo,
no entanto, a trama de intensidades
que desestabiliza a articulação das
expressões mais provisórias: pressinto — mesmo empedrada — a necessidade de
inventar outro modo de tatear: tocada pela velocidade, abro todas as pálpebras
para a violência que invade minhas vozes, que revolve minhas veias, temendo as
marcas
impossíveis de me identificar, a
inexistência não dos cortes, mas da pele continuamente a se lanhar: intrometida
na claridade do dia, esqueço
de fazer meus dedos buscarem alguém
debaixo da camisa vazia: suspeito sobretudo das presenças que —
insustentavelmente palpáveis — povoam
dos ecos de novo refeitos
tritura o junco dos seus joelhos):
cubro a garganta com as primeiras mãos da manhã, como se quisesse deter o
percurso
de algo prestes a desaparecer: por
mais
que insista
em permanecer inofensiva — embrulhando
a garganta
nas mãos — enquanto preparo
as poucas palavras
com que iniciaremos um grito
sucinto.
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