quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Marize Castro

Marize Castro é uma poeta e jornalista nascida em Natal, Rio Grande do Norte, em 1962. Publicou os livros Esperando ouro (2005), Poço, festim, mosaico (1996), Rito (1993) e Marrons crepons marfins (1984).
Publicou em revistas brasileiras e internacionais.
Abaixo, uma amostra de sua produção.



Assombro

Corais paralisam suas presas.
Observo neste aquário tubarões de terrível beleza.

Quem me lançou dardo, deitou-se comigo.
Quem me amordaçou, gozou em silêncio.

Tenho na bolsa um coração assombrado.
Mas tão inocente e jovem que dá medo.
E me sustenta.




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Nova ordem

Um silencioso menino senta ao meu lado.
Ele é tão leve que me faz procurar asas
no seu pequeno corpo.

Deve voar, penso eu.

Liberta-me o que ele me diz:
Sou o seu último amor. Sua nova ordem.

Amparo-me na lua que se mostra vermelha
– destinada ao extravio.

Agora sou mulher-folha, mulher-livro, mulher-esquife.
Tornei-me fiel ao canto do deserto.




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Suspensa

Oráculos me suspendem.
Ouço o Amor chamando.
Em cada país um diferente unguento
para suportar a viagem.
O desejo é a curva.
O grande véu com o qual me cubro
– e prossigo.

Se você não voltar
os bailarinos ficarão órfãos.
Se você não voltar
a vertigem será silenciosa.
E não será o fim.
Será o início do grande segredo.




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Solar

Cadáveres despertam depois do amor.
Lágrimas choram e se estrangulam.

Não sou a mulher que você vê.

Não sei o que é o inverno
 – nunca vi a neve.

O meu ofício é reinventar asas para o sol.




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De veludo e sangue

Porque declino do seu amor, o véu das torres me invade.
Já engoli espermas. Já voei muito alto.
Aos santuários de meninos-lodos e meninas-ostras.

Neste hemisfério, o tempo é vermelho.
A fé: andrógina. A inocência: anônima.
O amante: cego e corcunda.

O meu leite rega a flor que o inimigo trouxe.

Aqui não há solidão
há bosques de lágrimas
unicórnios reunidos para falar de amor
aranhas flutuando num mar

de veludo e sangue.

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